terça-feira, 10 de julho de 2018

Aos 9 anos fui expulsa da escola


Aos 9 anos fui expulsa da escola. Ou, como tantas vezes me corrigem, fui convidada a sair. Na terceira classe da escola primária (acho que hoje é terceiro ano) mudei de escola primária. Os amigos que tinha feito nos 3 anos anteriores (quando se tem 9 anos, 3 anos é uma vida) ficaram para trás. A vergonha daquilo que eu tinha feito, não. Vi-me numa totalmente nova escola, um novo caminho a percorrer todos os dias, novos colegas que poderiam e viriam, ou não, a ser amigos. Uma nova professora. Terceira professora da minha vida, aliás. E um novo medo. O medo que neste novo sítio soubessem aquilo que tinha feito.
Antes desta expulsão tinha sido obrigada a relatar o feito à escola inteira, sob o escrutínio de miúdos de idades inferiores a 10 anos, professoras e contínuas (técnicas de educação, hoje em dia). 
Os meus pais não me disseram muito. Perguntaram se eu sabia o significado daquilo que tinha feito e ali me deixaram a pensar na vida, enquanto os ouvia atender inúmeros telefonemas, aos quais respondiam quase em surdina, e que alimentavam aquele que viria a ser o grande tabu da minha vida nos próximos anos. Vivo numa cidade relativamente pequena. Os meus pais, professores, conhecem grande parte dessa cidade. São conhecidos. Colegas, amigos, alunos, pais, filhos, amigos dos amigos. 
Sabia que cada vez que um novo professor entrava na minha vida, também eles tinham um novo medo. Enquanto eu receava que essas novas pessoas na minha vida descobrissem o que fiz, os meus pais receavam que o voltasse a fazer. Ou apenas algo semelhante.
Ninguém falou no tema até eu ter feito 18 anos, mas eu sabia que estava lá. O elefante cor-de-rosa sentava-se no sofá da nossa sala a cada início do ano lectivo.
Quando fiz 18 anos, o meu pai trouxe-me um papelinho e disse-me que tínhamos que falar sobre o que acontecera. Não reconheci logo o papel. Tremi quando percebi.
O meu pai começou por me explicar que não sabia até que ponto tal evento moldaria a personalidade de uma criança de 9 anos. Que me poderia ele dizer para manter essa ténue delimitação entre o certo e o errado. Não sabia, não soube, como se lidava com semelhante situação.
Ali, naquele momento, enquanto abria e me estendia o papelinho, enquanto eu reconhecia as 4 palavras escritas, a letra de imprensa, engenharia de uma cabeça de 9 anos, o meu pai disse-me: “esta foi a melhor descrição que já fizeste na tua vida. Com 4 palavras apenas, 9 anos de idade, conseguiste descrever alguém esteticamente, afectivamente, intelectualmente e moralmente “. No papel, podia ler-se:

A PROFESSORA É FEIA, MÁ, BURRA E PUTA! 

3 comentários:

  1. Juro que não sabia da história. Devo ser dos poucos! Agora que a sei... Reconheço-te nela!

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    1. Não há assim tanta gente que saiba. Durante muito tempo, eu tinha muita vergonha :p

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    2. Muitos dos telefonemas que recebemos eram a dar os parabéns pela tua coragem.

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