sábado, 2 de fevereiro de 2019

Um pedido de desculpa





Cara vítima,

Esta semana falámos muito em ti. 
Falámos em ti enquanto jovem de 20 que foi alvo de uma tentativa de violação e uma violação por dois elementos de uma banda de música.
Falámos em ti numa reportagem da Sic, “Crime, Silêncio e Preconceito”, sobre duas mulheres sobreviventes de violação.
Falámos em ti noutra reportagem da Sic, “A Rede”, enquanto vítima dos perigos das redes sociais. 

Nenhum de nós ficou indiferente à tua história, aos detalhes revelados, à vida que tinhas antes ou ao momento em que foste vítima. Nem todos te vimos como vítima.

Devemos-te um pedido de desculpas. Esta história não devia ser sobre ti. Não interessa que vida vivias, o que tinhas vestido ou a tua ingenuidade. Devemos-te um pedido de desculpa por não sermos, ainda, uma sociedade suficiente evoluída para perceber que o foco, o julgamento e o dedo apontado não deveria estar na tua direção, mas na do agressor. Devemos-te um pedido de desculpa por, tal como o teu agressor, termos utilizado a tua vulnerabilidade para nosso entretenimento.

Devemos um pedido de desculpa a nós próprios por, enquanto sociedade, não sermos suficiente evoluídos para perceber que o teu lado é o certo e que não és tu quem tem que prever aquilo que uma mente retorcida pode fazer. 

Enquanto não percebermos que a um agressor não importa o que tens vestido, mas sim a tua vulnerabilidade; enquanto não percebermos que para um agressor não importa onde estás, mas sim o seu poder sobre ti; enquanto não percebermos que para um agressor não importa se és ingénuo, mas sim a capacidade de te manipular, não conseguiremos nunca evoluir enquanto sociedade.

Enquanto te perguntarmos o que tens vestido ou porque foste lá ou porque confiaste ou porque acreditaste, não teremos a capacidade de perceber onde está o erro e como o podemos corrigir. Precisamos de perceber as razões de quem o fez, as motivações de quem o fez e o que despoletou quem o fez. Porque quem o faz, fá-lo hoje e fá-lo amanhã, tenhas tu um decote ou uma gola alta, tenhas tu lá ido ou tenham-te procurado, tenhas tu acreditado numa história ou na outra. 

Devemos-te um pedido de desculpa e devemos um pedido de desculpa a nós próprios porque ainda não percebermos: a culpa não é da vítima

1 comentário:

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