quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Crónicas de uma desempregada


Faz hoje um mês que estou desempregada. 

Despedi-me assim, de repente, de um trabalho que me estava a deixar doente. Trabalhava numa sala sem janelas para a rua, sem ar condicionado e sem telefone. Tinha que usar o meu, se quisesse cumprir com os objectivos que me impunham e que, grande parte das vezes, não estavam directamente relacionados com aquilo para o qual fui contratada. 
Minto, não fui contratada. Nunca assinei nenhum papel, nunca recebi nenhum recibo, nem nunca me fizeram uma transferência bancária. O ordenado, esse, recebia-o num envelope. Um molho de notas como eu nunca tinha visto e que me fazia tremer até levá-lo ao banco. 

Antes disso, trabalhei em multinacionais. Tudo certinho, posto de trabalho supimpa, ar condicionado sempre desregulado, mas ar que circulava. O café era oferecido e, momentos houve, que até comida tínhamos o dia todo. 
Conheci duas realidades tão diferentes, as duas com o mesmo resultado. Infelicidade. Infelicidade de não poder fazer o que se gosta. De se ser só mais uma numa roda gigante que gira ao sabor do lucro. 
Não sou anti-capitalista. Nunca pensei que pudesse destacar-me do carneirinho das- nove-às-sete. Mas o das-nove-às-sete, que na verdade, raramente era sete, nunca me chegou. Tinha que haver mais. 

Cada vez mais nos dizem que temos que seguir as nossas paixões, fazer aquilo para que fomos talhados, que quando se gosta não é trabalho. “Estás chateada com a tua chefe, vê o retiro espiritual que vai ver todo o teu potencial, mostrar-te e motivar-te a seres a melhor da tua vida”. 

Retiros, coaches, speakers motivacionais, livros, artigos, conferências. Palavras estrangeiras pelo meio de discursos que nos dizem para fazer o que se gosta, que nos dizem para descobrirmos quem somos, que nos convencem dis rios de dinheiro que podemos fazer se lhes pagarmos para nos convencerem o que somos, mesmo que nunca o tenhamos sido.

E eu, que, por coincidência ou não, hoje recebi mais um mail daqueles que nos diz que o nosso cv não interessa nada, dou por mim a pensar, se fizermos todos o que gostamos, quem faz o das-nove-às-sete de que ninguém gosta? 

1 comentário:

  1. Eu já trabalhei das-nove-às-tantas e fui feliz! Acho que a felicidade nem sempre tem de passar obrigatoriamente pela autonomia, dependerá e muito dos nossos valores e prioridades naquele momento da vida.
    E disso tu sabes melhor que eu!

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