Há uns anos,
um dos meus grandes amigos foi acusado de “roubar” um beijo a uma pequena.
Tínhamos 17/18 anos, na altura. Ambos tinham outros namorados e a miúda
sentiu-se lesada pelo excesso de confiança do meu amigo e quis vê-lo castigado.
Contou ao namorado, que quis recuperar a honra da sua donzela e praticar tal
castigo.
Na altura, fui
defensora acérrima desse meu amigo. Era, para mim, impossível que o meu amigo
tivesse tal desplante. Namorava com uma das miúdas mais giras da escola,
parecia apaixonado e era tão bom amigo. Parecia impossível.
Curiosamente,
à laia de figura pública, apareceram logo umas quantas miúdas a acusá-lo de ter
tentado tal ousadia com elas.
A turma
dividiu-se e a acusadora passou a persona non-grata, a mentirosa, a chamadora
de atenções. Nunca nos perdoou e hoje, ainda mal nos fala.
Nunca saberei
o que se passou exatamente nessa noite. Com o passar dos anos foram surgindo
mais algumas histórias semelhantes do mesmo rapaz.
Continuo a
adorá-lo. A saber que, eu, posso contar com ele sempre que precisar. Acho-o um
pai espetacular, depois de ter tido filhos.
Apesar de
perceber zero sobre futebol, considero-me fã do Cristiano Ronaldo.
Reconheço-lhe valor e o esforço e dedicação que atribui à sua causa. Talvez por
me desinteressar tanto o futebol não padeço desse síndrome de muitos fãs, não o
vejo como um dos meus.
Já Kathryn
Mayorga, de quem nunca tinha ouvido falar, considero uma das minhas. Por ser
mulher. Por que a vejo como um ser tão vulnerável como eu. Porque também já me
enganei a propósito de pessoas. No fundo, ela é o meu amigo do secundário, que
defendi com unhas e dentes e, provavelmente, o motivo pelo qual a tenho
defendido acerrimamente e participado em discussões acesas sobre o tema.
Na verdade,
não sei, nem saberei nunca o que realmente se passou naquela noite. Entre as
duas versões, já se sabe, estará a real.
O que me
assusta e me faz sentir tamanha empatia por ela, são os comentários dos juízes
de bancada. Esses que perdem tempo a acusar. E escolhem acusar a mulher que,
ingenuamente ou não, escolheu dançar, seduzir e acompanhar aquele que hoje
acusa. É assustador perceber que os argumentos usados são o facto de um
determinado consentimento fazê-la merecedora do desfecho. Não são estas as
palavras usadas. Percebo que, muitas vezes, aquilo que se quer defender é o
consentimento. O problema são os argumentos usados. “Se subiu para o quarto,
não foi ver a novela”, “se dançou daquela forma, só podia esperar aquilo”, “se
o olhava com ar embevecido, é porque queria”. E não é. Não é por admirarmos
alguém que queremos ser “enrabados” (desculpa mãe). Não é por seduzirmos alguém
que temos de aceitar e acatar todas as suas vontades. Infelizmente, a nossa
sociedade patriarcal ainda leva a que demasiadas pessoas pensem assim e isto
assusta-me.
Assustam-me
também as pessoas que falam em níveis de violação. Que comparam este acto ou
acto do desconhecido doente mental que aborda uma desconhecida na rua. Só que
quando se trata do nosso corpo e do uso da força para o seu uso, não há níveis
de violação. Não há. Há níveis de culpa, níveis de confiança, níveis de
comportamento. Não sei o que mais viola o espírito de uma mulher. Sinceramente,
não sei.
A história que
conto no início deste texto, ensinou-me várias coisas. Que nunca conhecemos
realmente as pessoas, sejam o nosso colega de carteira, seja uma figura
pública. Que as pessoas têm várias facetas. Um bom amigo não é necessariamente
um bom namorado. Um bom jogador de futebol terá as suas fraquezas fora do
campo. Mas, sobretudo, o que aprendi a presunção da inocência.
Percebo a
necessidade de defender os nossos. Percebo que o Ronaldo seja para muitos como
um amigo, tamanha alegria lhes causou. Percebo quem, como eu, sinta necessidade
de defender, não uma Kathryn, mas todas as mulheres e a possibilidade de todas
poderem sair de casa, vestir-se e relacionarem-se sem medos.
Não sei quem é
culpado nesta história, mas, por favor, peço-vos, não digam nunca que “estava a
pedi-las”. Ninguém pede para ser violado.
Nunca escrevas à quarta-feira.
ResponderEliminarNovamente... não tou a reconhecer a história. Começo a pensar que não vivi nessa tão bela terra que é a nossa...
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