quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Ela estava a pedi-las




Há uns anos, um dos meus grandes amigos foi acusado de “roubar” um beijo a uma pequena. Tínhamos 17/18 anos, na altura. Ambos tinham outros namorados e a miúda sentiu-se lesada pelo excesso de confiança do meu amigo e quis vê-lo castigado. Contou ao namorado, que quis recuperar a honra da sua donzela e praticar tal castigo.

Na altura, fui defensora acérrima desse meu amigo. Era, para mim, impossível que o meu amigo tivesse tal desplante. Namorava com uma das miúdas mais giras da escola, parecia apaixonado e era tão bom amigo. Parecia impossível.

Curiosamente, à laia de figura pública, apareceram logo umas quantas miúdas a acusá-lo de ter tentado tal ousadia com elas.

A turma dividiu-se e a acusadora passou a persona non-grata, a mentirosa, a chamadora de atenções. Nunca nos perdoou e hoje, ainda mal nos fala.

Nunca saberei o que se passou exatamente nessa noite. Com o passar dos anos foram surgindo mais algumas histórias semelhantes do mesmo rapaz.

Continuo a adorá-lo. A saber que, eu, posso contar com ele sempre que precisar. Acho-o um pai espetacular, depois de ter tido filhos.



Apesar de perceber zero sobre futebol, considero-me fã do Cristiano Ronaldo. Reconheço-lhe valor e o esforço e dedicação que atribui à sua causa. Talvez por me desinteressar tanto o futebol não padeço desse síndrome de muitos fãs, não o vejo como um dos meus.

Já Kathryn Mayorga, de quem nunca tinha ouvido falar, considero uma das minhas. Por ser mulher. Por que a vejo como um ser tão vulnerável como eu. Porque também já me enganei a propósito de pessoas. No fundo, ela é o meu amigo do secundário, que defendi com unhas e dentes e, provavelmente, o motivo pelo qual a tenho defendido acerrimamente e participado em discussões acesas sobre o tema.



Na verdade, não sei, nem saberei nunca o que realmente se passou naquela noite. Entre as duas versões, já se sabe, estará a real.

O que me assusta e me faz sentir tamanha empatia por ela, são os comentários dos juízes de bancada. Esses que perdem tempo a acusar. E escolhem acusar a mulher que, ingenuamente ou não, escolheu dançar, seduzir e acompanhar aquele que hoje acusa. É assustador perceber que os argumentos usados são o facto de um determinado consentimento fazê-la merecedora do desfecho. Não são estas as palavras usadas. Percebo que, muitas vezes, aquilo que se quer defender é o consentimento. O problema são os argumentos usados. “Se subiu para o quarto, não foi ver a novela”, “se dançou daquela forma, só podia esperar aquilo”, “se o olhava com ar embevecido, é porque queria”. E não é. Não é por admirarmos alguém que queremos ser “enrabados” (desculpa mãe). Não é por seduzirmos alguém que temos de aceitar e acatar todas as suas vontades. Infelizmente, a nossa sociedade patriarcal ainda leva a que demasiadas pessoas pensem assim e isto assusta-me.

Assustam-me também as pessoas que falam em níveis de violação. Que comparam este acto ou acto do desconhecido doente mental que aborda uma desconhecida na rua. Só que quando se trata do nosso corpo e do uso da força para o seu uso, não há níveis de violação. Não há. Há níveis de culpa, níveis de confiança, níveis de comportamento. Não sei o que mais viola o espírito de uma mulher. Sinceramente, não sei.



A história que conto no início deste texto, ensinou-me várias coisas. Que nunca conhecemos realmente as pessoas, sejam o nosso colega de carteira, seja uma figura pública. Que as pessoas têm várias facetas. Um bom amigo não é necessariamente um bom namorado. Um bom jogador de futebol terá as suas fraquezas fora do campo. Mas, sobretudo, o que aprendi a presunção da inocência.



Percebo a necessidade de defender os nossos. Percebo que o Ronaldo seja para muitos como um amigo, tamanha alegria lhes causou. Percebo quem, como eu, sinta necessidade de defender, não uma Kathryn, mas todas as mulheres e a possibilidade de todas poderem sair de casa, vestir-se e relacionarem-se sem medos.



Não sei quem é culpado nesta história, mas, por favor, peço-vos, não digam nunca que “estava a pedi-las”. Ninguém pede para ser violado.


2 comentários:

  1. Novamente... não tou a reconhecer a história. Começo a pensar que não vivi nessa tão bela terra que é a nossa...

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