sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

::Ler para crer:: “Princípio de Karenina” de Afonso Cruz


Nunca tinha lido nada de Afonso Cruz e a minha primeira impressão é que tudo o que escreve é sobretudo muito bonito. A forma como descreve situações ou espaços é, seja ela mais mundana ou mais profunda, sempre muito bonita. Uma escrita que não é leve, mas que confere uma leveza à história e a reflexão a que nos obriga.

“O som do Outono ouve-se com os sapatos. Quando as solas partem as folhas secas das árvores”


Todo o livro é uma carta de um pai para uma filha. Uma carta que conta toda a vida desse pai. Uma infância que explica o comportamento em adulto. Uma deficiência física que espelha a deficiência espiritual. E o desenrolar dessa história e a explicação para o afastamento ente este pai e esta filha.

Vi todo o livro como hipérbole de uma condição humana. Uma crítica talvez. A descrição exagerada daqueles que sendo coxos de espírito, gostariam de ter no amor uma conveniência que os mantivesse na sua zona de conforto. Só que, não saindo do mesmo lugar, qualquer zonas se torna desconfortável e o amor, esse, é, simultaneamente, inconveniente e inevitável.

"A ordem não me fazia diferença. Ou melhor, fazia. Eu podia ser o milésimo, desde que fosse o primeiro, o único. Isso não refletia uma ordem cronológica, mas quantiosa. Eu não queria ser o primeiro, queria ser o mais importante. Não tinha nada que ver com ordem, como, aliás, nunca tem. O amor não obedece a esse cromatismo do tempo, um dia a seguir ao outro, dá saltos como uma gazela do cântico dos cânticos e, por incrível que pareça, vai a direito, como quem dança”


Se por um lado adivinhamos-lhe essa sina da paixão que não pode evitar, por outro, o final, o caminho por onde o medo do amor, do desconhecido, do arrependimento, leva a personagem principal, é absolutamente surpreendente e, só por isso, este livro é um pouco mais que só feito de palavras bonitas.

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