quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

::Pelos cotovelos:: Se não me tivesse casado




“Se não me tivesse casado, hoje seria médica.” Ou escritora. Ou educadora de infância. Ou professora. Cada dia tem uma vocação diferente. Depende da necessidade do dia ou daquilo em que se sentiu útil. Hoje é dona de casa. Sempre o foi. Diz que foi porque escolheu casar, em detrimento de todas essas coisas que poderia ter sido.



Nunca se senta ao mesmo tempo que nós à mesa. O número de pratos diferentes que cozinha é quase igual ao número de comensais que estiver em casa. Uma omelete para um, frango para outro, peixe para o que não come carne, bacalhau com todos para ela. Isto ao ao almoço porque ao jantar chega-lhe uma chávena de chá e uma banana, porque uma mulher tem que manter a linha. Só come quando já todos estamos a terminar e interrompe, sempre, a sua refeição para fazer o café ao lume do fogão para os que já terminaram.

Se não se tivesse casado, não seria assim. Não seria cozinheira, com certeza. Não trataria da casa. Mas não teve escolha. “O namoro”, como costuma contar, começou aos 12 e ditou-lhe a sentença. “Naquela altura era assim”, certifica. Não se mudava de namorado e ou se estudava ou se casava. Ou se casava ou se trabalhava. E ela que podia ter sido enfermeira. Seria tão boa enfermeira. Ou escritora. Ou educadora de infância. Ou professora.  73 anos de uma má escolha. 73 anos de uma escolha feita por uma criança. Infantil, inocente, ingénua.



Esta é a história da minha avó. Uma história, como tantas outras, que impactaram as gerações futuras. Uma história que mostra como o Estado novo ainda impacta a atual geração. A minha.

É nos completamente impensável nos dias de hoje poder deixar de ser alguma coisa porque casámos. Parece ser igualmente impensável poder deixar de ser responsável pela casa, os filhos, a comida.

Podemos ser aquilo que quisermos, mas temos de ser mães. Podemos separar-nos, mas não podemos ser solteiras. Podemos trabalhar, mas temos de gerir uma casa. Podemos ter empregada, mas temos de a orientar. Podemos ocupar lugares de homens, mas comordenados de mulher.

Ganhámos uma liberdade disfarçada de obrigação. Ou ganhámos uma obrigação disfarçada de liberdade?  

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